Estava aqui pensando, depois de quatro anos de muitas emoções e incríveis experiências, será que eu mudei em alguma coisa, ou simplesmente continuo a mesma pessoa? Eu poderia fazer uma pesquisa de opinião, mas acho que não iria ajudar, pitacos alheios não poderiam, nem por um segundo, expressar o que eu estou sentindo agora.
Antes que eu comece a enveredar pelo lado do sentimentalismo vamos ao que interessa. Uma vez uma pessoa me disse que de uns tempos pra cá, eu estava com um ar de superioridade insuportável, com o nariz muito em pé. Fiquei chocada com a declaração, mas passada a raiva, me pus a pensar sobre o tema. E entendi o que ela quis dizer.
Quando eu vim pro Rio, eu era um menina cheia de sonhos e de medos. Conheci tanta gente, vivi tantas coisas...Amadureci. Entrei e saí de vários empregos. Estagiei por um ano e três meses na TV da faculdade ao lado de amigos que eu amo demais. Vivi a loucura que é trabalhar em uma empresa de telemarketing. Fiquei 4 meses trabalhando em uma agência de notícias e quando eu finalmente achei que poderia começar a fazer planos fui demitida e depois de vagar por tantas áreas, eu finalmente me encontrei na Conta Mais.
Quando isso acontece, quando encontramos um trabalho que parece o nosso lar, onde nos sentimos bem e queremos ficar pra sempre, tudo torna-se primordial. Escrever um bom texto, fazer a melhor entrevista, ser uma ótima funcionária, tudo tem um peso maior. Pegar a confiança das pessoas e ganhar um elogio da chefe então, nem se fala. Ir para as coletivas e sentir aquele friozinho na barriga, mas nem um pouco de insegurança é muito bom. É sentir que você está no lugar onde você nasceu pra estar...Sem modéstia.
Paralelo a isso, as pessoas ao meu redor também me ajudaram a mudar. Conheci muita gente, e descobri muitas outras. Me decepcionei com algumas e passei a amar outras tantas. É impressionante o quanto o ser humano pode nos surpreender. Hoje sei bem em quem eu posso confiar e de quem eu posso desconfiar.
Enfim, fazendo um balanço de tudo que eu experimentei nos últimos 4 anos eu cheguei a seguinte conclusão: Ainda tenho medo de escuro, ainda detesto dormir sozinha, ainda tenho a tendência de amar as pessoas erradas, ainda sou fã do casal do JN, mas não sou uma menina ingênua em uma cidade grande, sei bem o que eu quero, e não tenho o nariz em pé, apenas passei a confiar mais em mim.
domingo, 27 de março de 2011
quinta-feira, 20 de janeiro de 2011
Depois da tragédia...Os fatos
Na última semana, vivi uma experiência que eu nunca pensei que fosse experimentar na minha vida, o medo intenso de perder uma pessoa querida, de ficar só. Segunda feira, dia 10 de janeiro, 10 horas da noite. Meu telefone toca, era a minha mãe. Lembro-me bem que nos falamos rapidamente. Minha mãe me perguntou como estava o tempo aqui no Rio, eu respondi que estava quente como sempre, ela disse, "Aqui está chovendo, chove sem parar, já nem sei há quantos dias está chovendo assim". Não dei muita importância ao que ela disse, pois sempre choveu muito em Friburgo. Mal sabia eu que dessa vez tudo seria diferente.
Na manhã de terça feira tentei ligar para a minha mãe, não consegui. A ligação não completava. Não estranhei, afinal, sempre foi meio difícil falar com a minha mãe na minha casa, o sinal lá é péssimo. Resolvi tomar café e falar com ela depois. Quando cheguei na sala, me deparei com as minhas amigas da república pálidas, todas chocadas olhando para TV, resolvi olhar também. Quando vi as imagens de Friburgo, da minha cidade, destruída, com lama, água e corpos por todos os lados, fiquei desesperada. Saí correndo e fui ligar para a minha mãe para saber se estava tudo bem.
Acho que é nesse ponto que o meu drama começa. Corri para a rua, liguei para todos os telefones possíveis, mas não consegui falar, nenhum completava a ligação. Tentei ligar para os amigos e nada. A cada minuto a situação só piorava. Depois que descobri que a cidade estava incomunicável, decidi que era hora de ir para casa. Arrumei minha mochila e já estava me direcionando para a saída, quanbo alguém me disse que as estradas estavam interrompidas. Ninguém passava, nem carro nem ônibus nem nada... Nada mesmo. Senti uma vontade de chorar enorme, mas preferi deixar para depois. Com o passar dos dias, minha aflição só aumentava.
Na quinta feira completaram-se dois dias sem contato algum com a família. Nuca fiquei mais de 24 horas sem falar com a minha mãe, geralmente ela me liga umas cinco vezes por dia. A cada minuto o número de mortos, desaparecidos e desabrigados só crescia. Meu desespero seguiu essa mesma linha. Cheguei no trabalho e a pergunta foi unânime, "Carmen, como está a sua família?" e a resposta era sempre a mesma, "Não sei, não consigo contato há dois dias". Aliás, preciso dizer aqui, o quanto foram importantes as mensagens de carinho que recebi. Meu Deus, pessoas com as quais eu nem tenho muita intimidade, que eu não falava há um tempão, pessoas para as quais eu achava que não tinha muita importância. Todas elas me ligaram mandando mensagens de apoio. Para elas, um singelo, porém verdadeiro muito obrigada.
Na quinta fiquei no trabalho até a hora do almoço. Foi quando descobri que a 1001 já estava subindo a serra. Peguei minhas coisas e fui correndo para a rodoviária. Depois de enfrentar uma fila daquelas, e de esperar mais de duas horas, já que o ônibus atrasou uma, recebi a ligação que eu esperava há quase 72 horas. Era o patrão da minha mãe ao telefone. Ela estava bem, estavam todos bem, mas incomunicáveis, sem luz e sem água. Eu já estava na ponte Rio Niterói quando o motorista foi informado que a estrada estava fechada sem previsão de abertura. Voltamos todos para o Rio. No mesmo dia eu recebi um telefonema de uma amiga aos prantos me informando que ela tinha perdido quatro familiares. Dormi dois dias na casa dela. Estar com amigos nessas horas é sempre bom, um ajuda o outro e compreende a dor que está sendo sentida.
Na sexta feira finalmente ouvi a voz da minha mãe, fina e chorosa, mas era a voz dela. O som que eu mais queria ouvir e que aqueceu o meu coração de uma forma que eu nem sei explicar. No sábado, achei que já dava para subir a serra. Mas uma vez juntei minhas coisas e fui para a Novo Rio. Enfrentei uma fila de cinco voltas e quando cheguei no guichê, a moça me disse sem cerimônias, "desculpe senhora, mas nós acabamos de receber a informação de que não podemos mais vender passagens para Friburgo, a estrada está bloqueada". Sabe quando te dá aquela sensação fortíssima de impotência e desespero ao mesmo tempo? Foi isso que aconteceu comigo. Sentei no chão e comecei a chorar, chorei como uma criança, sem disfarçar. As lágrimas escorriam e pingavam na minha blusa. As pessoas passavam e olhavam, incrédulas com o que viam. Bom, quando cansei de chorar, levantei e voltei pra casa. Acho que Deus ouviu as preces que eu fiz no caminho, porque assim que cheguei o telefone tocou, era a minha prima, estava tudo bem e minha mãe estava em casa. Ainda sem luz, água e telefone, mas estava viva.

Acho que é nesse ponto que o meu drama começa. Corri para a rua, liguei para todos os telefones possíveis, mas não consegui falar, nenhum completava a ligação. Tentei ligar para os amigos e nada. A cada minuto a situação só piorava. Depois que descobri que a cidade estava incomunicável, decidi que era hora de ir para casa. Arrumei minha mochila e já estava me direcionando para a saída, quanbo alguém me disse que as estradas estavam interrompidas. Ninguém passava, nem carro nem ônibus nem nada... Nada mesmo. Senti uma vontade de chorar enorme, mas preferi deixar para depois. Com o passar dos dias, minha aflição só aumentava.

Na quinta fiquei no trabalho até a hora do almoço. Foi quando descobri que a 1001 já estava subindo a serra. Peguei minhas coisas e fui correndo para a rodoviária. Depois de enfrentar uma fila daquelas, e de esperar mais de duas horas, já que o ônibus atrasou uma, recebi a ligação que eu esperava há quase 72 horas. Era o patrão da minha mãe ao telefone. Ela estava bem, estavam todos bem, mas incomunicáveis, sem luz e sem água. Eu já estava na ponte Rio Niterói quando o motorista foi informado que a estrada estava fechada sem previsão de abertura. Voltamos todos para o Rio. No mesmo dia eu recebi um telefonema de uma amiga aos prantos me informando que ela tinha perdido quatro familiares. Dormi dois dias na casa dela. Estar com amigos nessas horas é sempre bom, um ajuda o outro e compreende a dor que está sendo sentida.
Na sexta feira finalmente ouvi a voz da minha mãe, fina e chorosa, mas era a voz dela. O som que eu mais queria ouvir e que aqueceu o meu coração de uma forma que eu nem sei explicar. No sábado, achei que já dava para subir a serra. Mas uma vez juntei minhas coisas e fui para a Novo Rio. Enfrentei uma fila de cinco voltas e quando cheguei no guichê, a moça me disse sem cerimônias, "desculpe senhora, mas nós acabamos de receber a informação de que não podemos mais vender passagens para Friburgo, a estrada está bloqueada". Sabe quando te dá aquela sensação fortíssima de impotência e desespero ao mesmo tempo? Foi isso que aconteceu comigo. Sentei no chão e comecei a chorar, chorei como uma criança, sem disfarçar. As lágrimas escorriam e pingavam na minha blusa. As pessoas passavam e olhavam, incrédulas com o que viam. Bom, quando cansei de chorar, levantei e voltei pra casa. Acho que Deus ouviu as preces que eu fiz no caminho, porque assim que cheguei o telefone tocou, era a minha prima, estava tudo bem e minha mãe estava em casa. Ainda sem luz, água e telefone, mas estava viva.

No sábado mesmo fiquei sabendo das primeiras mortes, minha vizinha de cinco aninhos que morreu afogada na casa da avó, e a mãe de uma amiga que morreu soterrada, depois de lutar contra várias doenças. Dói no coração quando você recebe uma notícia dessas e não pode dar se quer um abraço nos que ficaram, nessas horas a distância machuca e muito. Foi também no sábado de madrugada que os telefones começaram a voltar no meu bairro e eu consegui falar, dessa vez com mais calma com a minha mãe e a minha tia. Só posso resumir esse momento em uma palavra, alívio.
No domingo, fui até a rodoviária Novo Rio, dessa vez não tentei ir pra casa, fui trabalhar como voluntária da Cruz Vermelha, ajudando a enviar as doações para as áreas mais afetadas. Foi bonito ver o quanto ainda temos a capacidade de nos ajudar. Cada garrafa de água, alimento, roupa e até mesmo brinquedos, que colocávamos nos ônibus já simbolizava uma família que teria o que comer ou vestir a noite, e isso representava muito pra gente. Voltei pra casa morta de cansada, super suja e suada, mas com a alma enobrecida e com um orgulho danado de nós, brasileiros.
Bom, na segunda feira, consegui finalmente convencer minha mãe a passar uns dias comigo aqui no Rio e na terça ela chegou. Claro que eu me controlei para não chorar, mas foi difícil, principalmente quando os olhos dela ficaram cheios de lágrimas. Tive que ser ainda mais forte quando ela me disse que pela primeira vez na vida sentiu medo de morrer. Ali eu percebi o quanto eu sou abençoada de não ter perdido nenhum parente, de estarem todos bem.
Sei que eu deveria estar junto dos meus amigos, na minha cidade, ajudando no que eu pudesse. Mas sinceramente, eu não sei se tenho coragem de ver a minha terra, o lugar onde eu nasci e fui criada, a terra que eu aprendi a amar, tão destruída. Covardia? Talvez. Tenham certeza de que nesse momento, estou de luto por todas as vítimas dessa catástrofe, sejam elas conhecidas ou não. Sei que essa triste contagem de mortos tende a dobrar. Só teremos uma lista oficial daqui há alguns meses. Enquanto isso rezo para que tenhamos força e muita luz para reconstruir a nossa Friburgo.

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